2.3.7 - O fim da vida: morte e luto
A morte é considerada a finalização de um ciclo, o fim de tudo. Mas a discussão sobre o que ela é e como ela acontece ainda é considerado um assunto delicado, e muitas vezes até evitado pela maioria das pessoas. O facto de sabermos que ninguém escapará da morte, é o que a torna um assunto tão fascinante e ao mesmo tempo angustiante, pois ela não pode ser evitada. A ciência busca há séculos maneiras de retardá-la e até mesmo suplantá-la, através de medicamentos e pesquisas, obtendo êxito em algumas áreas. O facto é que a vida e a morte são assuntos complexos e que sugerem discussões polémicas e acaloradas.
Mas afinal, o que é a morte?
Procurando o significado da palavra morte, encontramos no dicionário de Língua Portuguesa de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (1986) a seguinte explicação: “acto de morrer, o fim da vida genital, animal, fim. Grande dor, pesar profundo”.
Pensando na morte como algo mais profundo, Chevalier et al (2002), designa-a como o fim absoluto de qualquer coisa. Enquanto símbolo, a morte é considerada o aspecto perecível e destrutivo da existência, indicando aquilo que desaparece na evolução das coisas. No entanto, ela é ao mesmo tempo revelação e introdução, pois todas iniciações atravessam uma fase de morte, antes de aceder a uma vida nova. Portanto, a morte tem um valor psicológico que liberta das forças negativas e regressivas, tornando possível à ascensão do espírito. Ela é considerada filha da noite e irmã do sono, tendo o poder de regenerar, ela é, enfim a condição para o progresso e para a vida.
Para Kovács (1992), a morte está presente no nosso desenvolvimento desde o nascimento, onde a criança, na ausência da mãe, mesmo que temporária, sente-se só e desamparada, o que acaba deixando uma marca profunda na vida desta criança. Portanto, a representação mais forte da morte é aquela tida como ausência, perda, separação e as vivências de aniquilação e desamparo. Outro elemento importantíssimo no entendimento da morte é o da culpa, o que é frequentemente atribuído à morte do outro, por conta de nossos pensamentos omnipotentes infantis de desejos de morte, onde nos sentimos responsáveis pela morte do outro, estando muitas vezes associados à falta de cuidados, gerando, portanto a culpa. A morte, do ponto de vista biológico e funcional, é tida como o fim da existência e não da matéria, sendo caracterizada pela interrupção completa e definitiva das funções vitais de um organismo vivo.
A morte então está relacionada a tudo aquilo que nos cerca, fazendo-nos pensar que não somos eternos, que não somos donos de nossa própria vida, tendo que obedecer ao ciclo natural da vida, ou seja, tudo que é vivo um dia morrerá. A morte também nos remete à doença e ao sofrimento, isto é, pensar na morte muitas vezes está associado ao facto de que essa será sofrida, dolorosa, e muitas vezes em decorrência de uma doença grave. A morte também sinaliza o fim de uma etapa, para o início de outra, como o fim da infância e o início da adolescência, por exemplo.
Ao pensar na morte como perda, é importante realçar que a morte do outro se configura como a vivência da morte em vida. É a possibilidade de experimentar a morte que não é a própria, mas é vivida como se uma parte de nós morresse, uma parte ligada ao outro pelos vínculos. Portanto, a perda pela morte é a ruptura irreversível de um vínculo, sobretudo quando ela é real, concreta.
Ducati (1995), discorrendo sobre as perdas enfrentadas no desenvolvimento físico e psíquico do ser humano, destacou que esta poderia ser sentida como separação, morte real e definitiva do corpo físico, sentimento de impotência, limite e cortes no decorrer da vida. Ainda sobre a perda, Kovács (1992) observou que a morte envolve sempre duas pessoas, uma que é perdida e a outra que lamenta a sua falta, sendo que o outro é em parte internalizado na memória, na lembrança numa situação de elaboração do luto. Quando essa morte do outro ocorre de modo brusco e inesperado, há uma desorganização, paralisação e um sentimento de impotência daquele que perdeu.
Esse sentimentos mobilizados pela perda como morte são possíveis por causa do processo de luto e da sua elaboração. Freud, em “Luto e Melancolia” (1917), define o luto como uma reacção à perda de um ente querido, à perda de alguma abstracção que ocupou o lugar desse ente, desânimo profundo, falta de interesse pelo mundo externo e perda da capacidade de adoptar um novo objecto de amor. Ou seja, o objecto amado não existe mais, o que exige que a libido seja desviada para outro objecto, o que causa grande desagrado. Quando finalmente o trabalho do luto termina, o ego está novamente livre e desinibido.
Ainda sobre o processo de luto, convém citar a contribuição da teoria do vínculo de Bowlby de 1985, que descreveu este processo como sendo um conjunto de reacções diante de uma perda, possuindo então quatro fases a serem descritas: a) Entorpecimento: é a primeira reacção, com choque e descrença, durando de horas a dias, havendo crises de raiva e choro. È comum à presença de distúrbios somáticos e a negação da perda pode estar presente como forma de defesa; b) Anseio e protesto: emoções fortes, sofrimento e agitação física. Há um desejo de encontrar-se com o morto com crises de profunda dor e choro; c) Desespero: reconhecimento da imutabilidade da perda, havendo grande risco de apatia e depressão com afastamento do meio social e das actividades, persistindo os distúrbios somáticos, d) Recuperação e restituição: sentimentos positivos e menos devastadores, permitindo uma aceitação e o retorno da independência e iniciativa. Ressaltou ainda que o luto pode ser considerado normal ou patológico, mas não significa que não seja doloroso ou que não exija grande esforço de adaptação às novas condições de vida, tanto por cada indivíduo afectado como pelo sistema familiar, seja sua elaboração normal ou não (Carvalho, 1994). O autor enfatizou que a elaboração saudável do luto se dá com a aceitação da modificação do mundo externo, ligada à perda definitiva do outro, e a consequente modificação do mundo interno e representacional, com a reorganização dos vínculos que ainda existem. Já a elaboração patológica dá-se com a exacerbação dos processos do luto normal, com duração muito longa, com características obsessivas assumindo um carácter irreversível. Dessa forma, duas mudanças devem ser operadas durante o processo de elaboração do luto, primeiramente deve-se reconhecer e aceitar que a morte ocorreu e a relação agora está acabada, e em segundo lugar deve-se experimentar e lidar com as emoções e problemas da perda para restabelecer sua vida de acordo com a realidade actual.
A morte mesmo sendo comum a todo ser humano, causa muito medo, por ser a única coisa realmente desconhecida e da qual nunca poderemos escapar.
Pode também representar o medo da solidão, da separação de quem se ama, o medo do desconhecido, do julgamento por seus actos em vida, do que ocorrerá com os seus familiares e por fim o medo do fracasso na realização de seus objectivos, como se a sua “missão” não pudesse ser terminada.
Diante do que foi exposto relativamente à morte pode-se dizer que este é um tema que mobiliza muitas questões, por estar ligado à representação da aniquilação, da doença e da separação daqueles que amamos, por conta disso, podemos dizer que este se torna então um factor extremamente stressante, e como tal, pode estar vinculado ao aparecimento de doenças e por isso merece atenção.